terça-feira, 1 de março de 2016

1 lista, 9 refugiadas, 11 mulheres, 13 sonhos

Há exatamente uma semana atrás, minha manhã de terça parecia com um daqueles filmes onde tudo dá errado, sabe? Estava voltando de viagem depois de 9h de ônibus sem dormir direito, e meu ônibus estragou. Tive que pegar 2 Matatus e andar alguns km com mala, e levei horas pra chegar em casa. Quando cheguei no projeto, com um pouco de atraso da hora que havia combinado com as mulheres e nossa intérprete, estávamos com visita da ONU, o que demandava atenção dos sócios e também das mulheres. Além disso, sabia que demandaria toda a tarde e noite arrumando as coisas, pois viajaria naquela madrugada de volta ao Brasil, e ainda precisava sacar dinheiro para pagar o táxi e arrumar as 2 malas, mala de mão e mochila. Ainda assim, não abri mão do que havia planejado, pois minha vontade de conduzir uma técnica de reflexão e empoderamento com as refugiadas era maior que todo o cansaço. No fim, o que era pra ser 2h de trabalho terapêutico de grupo se transformou em 1h de dinâmica - pra otimizar o tempo - mas que deu muito certo, no final das contas!
Após me apresentar e explicar o que estava fazendo ali (duas mulheres não foram entrevistadas, mas estavam no grupo), questionei se todas eram alfabetizadas, e ao constatar que não improvisei: pedi que se juntassem em duplas, sendo que uma da dupla deveria ser alfabetizada. Acredito que tenha sido ainda melhor dessa forma! Em duplas, solicitei que dividissem uma folha que entreguei ao meio, e na primeira parte escrevessem uma lista de tudo que elas não merecem e não desejam mais vivenciar (violência, fome, abuso, etc.). Dei alguns minutos para que discutissem e escrevessem, e após isso pedi que na outra parte, pontuassem tudo aquilo que elas merecem e desejam. Quando terminaram, uma de cada dupla apresentou o que discutiram, em Swahili, enquanto a Maureen ia escrevendo num papel os tópicos que iam surgindo, em Inglês, para que eu fosse acompanhando. Quando o tema se repetia em outra dupla, ela acrescentava um "x" ao lado. E assim surgiu essa lista, com os 13 grandes desejos dessas 9 refugiadas do Congo e Burundi. Saúde, qualidade de vida, fé, paz, boa educação para os filhos, casa própria, felicidade, direitos das mulheres, educação, riqueza, planejamento familiar, que o marido tenha educação, responsabilidade e respeito, e por último (na lista, não na vida) o amor. 


Não é tão diferente dos nossos sonhos, não é mesmo? Suas histórias podem ser, mas no fundo somos iguais. Sonhamos igual, idealizamos igual. E agora, sonhamos juntas, elas, eu, a Maureen, vocês. Sonhamos pela mudança, pela justiça e pela paz. Sabemos que o fim das guerras resolveria alguns desses problemas. Outros, é preciso mudança de cultura. O fato é, que compartilhando seus desejos, elas se identificaram umas com as outras, e perceberam que podem contar umas com as outras, sendo o grupo sua mais nova ferramenta para lidar com o sofrimento passado e presente. 
No fim, pedi que cada dupla escrevesse dois desses sonhos no balão que saía da boca de uma mulher poderosa, uma mulher empoderada, que desenhamos numa cartolina. Ela representa todas as mulheres, refugiadas e quenianas, brasileiras e europeias, americanas e asiáticas que merecem direitos claros e respeitados. Planejamento familiar parece um direito básico para algumas de nós, e é algo distante para essas refugiadas. Saúde parece algo que encontramos logo ali, na clínica escola, no SUS ou pelo plano. Temos que exigir melhorias aqui, sim, mas que não deixemos de lembrar de quem não tem acesso a nada, a não ser que pague. Consultas, exames, medicamentos. Como fazer quando não se tem um salário, e se tem pares de filhos para alimentar, educar? Escolas e universidades públicas? Existem, mas não gratuitas. Isso está longe de ser um sinônimo por lá. 


Estas, foram as palavras escolhidas pelas nove participantes para o 1º balão: Aiya é algo como boa saúde, e Amani, paz. 


Para o segundo: Elimu, educação, e Haki, direito (no sentido de direitos para as mulheres). O terceiro balão pede por Mali, riqueza, e Furaha, felicidade. Nota para essa riqueza, que não diz respeito à ouro, luxo e ostentação. O que elas querem é estabilidade para sua família, garantir o estudo dos filhos e não sofrer dia e noite sem saber se irão conseguir pagar o aluguel no dia seguinte (ou se serão despejadas). 

Essa técnica, com esse grupo, me ensinou muito sobre simplicidade, e humildade. Ali, fui somente quem apresentou a ferramenta, mas o alívio para suas angústias elas encontraram umas com as outras, exatamente como eu imaginava que aconteceria. O feedback delas confirmou isso, que a reflexão teve um momento doloroso pois mexe com memórias que por vezes elas preferem deixar guardadas, mas a troca com as colegas dá força e motivação para superar isso, e mais: lutar por mudança.